VENTRÍCULO
Em parte, ridículo
o coração prosaico
Em partes, ventrículo
agrupados num mosaico
A NOITE UIVA
A noite uiva
visto a luva
Meu coração frio estremece
e adormece sozinho
A ONDA
A onda encosta e quebra-mar
turbo, lento
Ronda vaga emoção
às costas, à nuca e ao coração
A ROSA E ELE
A rosa que ele me deu está na jarra com água
sempre-viva
Ele? Está seco
entre as páginas amareladas de um livro
ALMA GÊMEA
Minh’alma gêmea morreu
Minh’alma geme pelo mal de amor que doeu
CONVENCIDOS
Dois convencidos pensam que amar
é o que basta para casar
CORAÇÃO ÚMIDO
Dias e dias de chuva...
Meu coração infiltrado pela dor
umedecido de lágrimas
É arrastado na enxurrada
CORAÇÃO NUBLADO
Sol nublado
Dia cinzento, sem graça
Olhos marejados, alimento...
Chove na vidraça
do peito que dói
HOJE SAI UM TREM
Hoje sai um trem que irá para casa
Não posso perdê-lo
Partirei para longe de mim
PERDIDA NA ESCURIDÃO
Perdida na escuridão, olho para as estrelas
Elas me dão seu sorriso
Na imensidão longínqua esqueço que parti
e que preciso chegar
LA DOLCE VITA
La dolce vita, bombocado
Um amargor, bons bocados
Cadinho de dor
bocado de amor
LONGE DE MIM
Longe de mim guardar mágoa
A dor que vá embora n’água
e deságue no esquecimento
MEU CORAÇÃO
Meu coração em ritmo de oração
ladainha sem cor
Macilento
Meu coração em ritmo de folguedo
inchado feito balão
Alento
Meu coração é assim
um arco-íris preto e branco
Vivo e manco
NENHUMA RECORDAÇÃO
Os meus sonhos pesam
Meus olhos cerram em um profundo escuro
Dele? Nenhuma recordação
Só uma lembrança constante
O AMOR FOI-SE
O amor, foice
Que arrancou meu coração
Partiu rumo a si
Despedaçou meus sonhos pétala por pétala
O ÁTOMO
O átomo, partícula invisível
existe e constitui a matéria
Eu e o átomo, ele não vê
FURACÃO
Cabelo ao vento
O belo cabe no centro
O vento aninha, canta, assovia
e gira
e fura
Late o cão medroso
FuraCão
O SOL E O ATOL
Curtir o sol
Admirar o atol
Ficar à toa
e tudo numa boa
O SOL
O sol solapa as costas do homem nu
Às encostas, as ondas reagem
As nuvens tapam, o sol não esquenta
e aquece mesmo assim
AA – AMORES ANÔNIMOS
Não vou chorar mais
Não espere isso de mim
Com serenidade, afirmo
Nunca mais...
Por hoje
Não vou chorar...
PRIMAVERA
A tristeza ébria
Enterrou-me em cova rasa
Da raiz que deu pé
um brotinho floriu
Da ocasião fúnebre
Um rebento primaveril
PRO LIXO!
Não quero escrever!...
Poucas palavras...Talvez
proLIXO...
Tantas palavras, Pra quê?
QUANDO VOCÊ FOI
Quando você foi
tamanha dor
um baita enfarte
Hoje? Me curo com arte
TENTO TOCAR O HOMEM
Tento tocar o homem
que ruge feito cão
maquiado de gente que sente
SINTO
Eu pressinto
um cinto na garganta
Vou morrer
e morar no céu das antas
MUTAÇÃO
Ontem, baixei à sepultura
Hoje, morri como todos o dias
Amanhã, outra de mim será enterrada
até o dia em que eu deixar de existir
VIDA INCERTA
Vida incerta
vê se acerta
desperta o alvo
esteja alerta
VISÃO
Quando a luz acabou
meu coração se acendeu
pude ver claramente
onde o amor se perdeu
ADIVINHA...
Companheiro, terno e amoroso
disponível e carinhoso
aceita minhas fraquezas
perdoa-me com nobreza
dedica a mim sua existência
Eu estou apaixonada
nunca assim fui amada
Como numa canção vulgar
e num sentimento inigualável
“ele é meu cachorrinho...”
QUEM TE VIU, QUEM TV
Te vê mata meu sonho
maltrata minha alegria
faz minh’alma vazia
O COTIDIANO POÉTICO
Entre panelas fumegando no fogão
louças aguardando na pia
roupas pingando no varal
faço poesia
TINHA UM HOMEM NO MEIO DO CAMINHO
Tinha um homem no meio do caminho
No meio do caminho tinha um homem
Parei, olhei, me apaixonei
Que redemoinho!
No meio do caminho tinha um homem...
evaporou-se como assombração na encruzilhada
o passado, como ciclone, passou
os escombros, esses ficaram...
SÓ DELE
O apartamento
o documento
o argumento
Tudo dele
AO SABOR DO VENTO
Ao sabor do vento
a vida encapelada
itinerário claudicante
horário diFuso
existência errante
destino confuso
EPÍTETO
Sou mulher
mas uma qualquer
Sou muitas e uma só
Nenhuma, diferente
Única e tão igual
Sou poeta
inquieta e compenetrada
de palavras infinitas
tantas as vontades
Abundante e frugal
A MÃE, A CADELA E A CRIANÇA
A criança pula
a cadela pula
A criança corre
a cadela corre
brinCadela
Eu, esbaforida, concluo
A cadela é melhor mãe!
NO BRECHÓ
Procuro absorto
mortalha de paetê
de vivo ou de morto
- como recompensa, para ornar você
NOVES FORA
Uma filha
mais uma cachorra
mais meus amigos
isso dá...
Noves fora você
PERDER-SE
Sento e escrevo
Não vejo a hora
que ora se vai
Afasto-me num enlevo
CONCEITO “A”
Você sabe que nada sabe
Ainda que acabe aprovado
A PAZ
A paz jaze ao vento
faz muito tempo
Dribla os pactos
E num ato insano
é aprisionada no tormento
BOLSAS
O periódico anuncia
a queda da bolsa
Minha bolsa vazia
o delinquente surrupia
A bolsa sob as pálpebras
a incerteza denuncia
CONTORCER-SE
Não me caibo em mim
Como uma contorcionista
meto os pés pelas mãos
PARA CASA
A reunião na escola
o para-casa da filha
passar a vida a limpo
Lavar a roupa suja
Dobrar a roupa limpa
O desdobrar da vida
No corre-corre diário
Corro para casa
E repouso nas entreLinhas
AMIGO ETERNO
Tu és amigo, abrigo e baluarte
_ Cordão de duas dobras que não parte
encarte da vida revista
que caminha numa ida de saudades
Se sofro, o amigo sóCORRE
morre se preciso for
Como última atitude
_ na altitude faz frio _
ele acalenta e esquenta
O GÊNESIS
Distante do Criador, o homem é sem forma e vazio
Há trevas no abismo do ser
O Espírito de DEUS se move e ele não vê
Noite e dia não existem
Sem luz, ele parte do princípio
Não há DEUS!
Olha-se e pensa
Eu existo
Logo, sou ou não sou?
DADOS PESSOAIS
A foto do documento não me retrata
O nome que me deram me confere graça
A desgraça não me abate
Os descaminhos, a própria vida rebate
A idade, não escondo
É só contar os sulcos da face
do coração e os amores perdidos...
DADOS PESSOAIS 2
Nasci numa cidade Maravilhosa
Sob o sexo de mulher
De uma mãe poeta, quieta e dadivosa
Tenho por profissão
comunicar o que quer
O sentimento, alimento do convívio
O sonho, provento da alma
Atualmente, resido nas letras o meu esconderijo
Meu ninho e minha cama
FIM
Rasgar papéis, estes vão para o lixo
Cortar relações, que fiquem no passado
Abandonar hábitos, eles se arraigam na solidão
Executar o verdugo
Que tripudiou meu coração
Ana Maria Portugal